Novamente
perto do final do ano, estávamos nos aproximando do Natal. EU AMO NATAL. A família
reunida, as trocas de presentes, a ceia, o calor do verão... tudo isso me deixa
muito feliz.
Mas
antes de chegar o momento de celebrar o Natal com a família, tenho que
comemorar no trabalho.
Eu sei
que tem um monte de gente que acha as festas da empresa chatas, mas eu me
divirto muito com o final de ano da On. Primeiro porque meu chefe sempre
bebe demais e conta histórias que ninguém quer saber, mas que acabam se
tornando piadas no ano seguinte; segundo porque a comida encomendada é sempre
maravilhosa; e terceiro porque eu e o Pedro Lucas sempre fugimos com alguma
garrafa para o parquinho velho que tem na frente da empresa (fruto do que o
imóvel era antigamente, mas eu não sei ao certo) e fazemos uma recapitulação do
que aconteceu durante o ano, seja com o pessoal do trabalho, seja com quem
estudou com a gente, seja em nossas vidas pessoais mesmo. Lembramos das coisas
divertidas, emocionantes e embaraçosas.
Coloquei
um vestido midi preto de mangas curtas colado e alisei o meu cabelo (pela única
vez no ano), finalizei com tênis (porque até parece que eu iria colocar um
salto), fiz uma maquiagem básica (mas não tão básica assim, porque fiz um
delineado) e fui rumo ao escritório.
Cheguei lá e senti o cheiro maravilhoso dos canapés e dos
salgadinhos e me juntei à Maria, que faz a revisão da maior parte dos meus
artigos, no canto da sala.
- Não vai pegar nada para beber? - Ela me perguntou.
Sentindo-me estimulada, fui até a mesa de bebidas e enchi
uma taça de frizante.
“Mas vou tomar só essa.”
- Toma mais uma, Babi! -
Ofereceu o Cláudio, meu chefe, segurando a garrafa cheia de líquido
borbulhantes.
“E eu lá vou dizer não para o chefe?”
Quando me dei conta, já estava na quinta taça daquela
bebida adocicada e refrescante.
- Isso aqui tá muito bom! - Gritei, mais alto do que
deveria, para as meninas.
Foi quando vi uma dupla do jurídico passar pela porta.
- Pedro Lucas! Você está atrasado. - Separei as sílabas
da última palavra, enrolando um pouco a língua.
Dei um abraço em meu amigo, que cochichou em meu ouvido.
- E você está bêbada.
- Shhhh. - Falei. - O Cláudio não pode saber!
Só que, quando me dei conta, eu estava possuída pelo
ritmo ragatanga, dançando com o chefe no meio da sala. Todo mundo estava rindo,
então acho que deviam estar se divertindo, por isso continuei.
- Bota a mãozinha na parede...
Por fim, acabamos em uma roda enquanto o Cláudio contava
histórias de sua infância e adolescência. Ficamos sabendo que seu primeiro
beijo foi tão horrível, porque a menina tinha um bafo de lixo, que ele passou
vinte minutos escovando os dentes depois que voltou para casa.
Lembrei do meu primeiro beijo: foi com catorze anos, ao
final de uma festa, depois de levar um fora do cara com quem eu realmente
queria ficar (eu não era muito bonita na época, não posso culpá-lo). Não foi
babado, ninguém tinha bafo e não teve qualquer mordida no meio. Foi perfeito
para o momento. Depois desse vieram alguns poucos ainda durante o colégio.
Alguns que o garoto em questão não queria, alguns que eu não quis... e depois
veio o meu glow up dos dezoito anos e aí a vida ficou bem mais fácil.
Fui ao banheiro, comi um pouco e, ao ver que tiraram mais
uma garrafa de frizante da geladeira, fui de fininho até a mesa e peguei-a.
- Pedro Lucas. - Chamei meu amigo, baixinho.
Fiz sinal para irmos para fora e ele sorriu, seguindo-me.
Derrubei meu corpo no balanço da direita, o que fez com
que o brinquedo balançasse (olha só! Um balanço balançando. Quem diria?).
Fiquei tonta.
- Opa. - Pedro Lucas fez com que parasse. - Está melhor
assim?
Fiz um joinha com a mão e tomei um gole da garrafa.
- Isso aqui tá muito bom. - Declarei.
- Pelo tanto que você tá bebendo, eu tenho certeza. - Meu
amigo respondeu.
Não consegui evitar soltar uma risada, logo antes de
passar a garrafa para as mãos dele. Pedro Lucas tomou um gole e então falou:
- E então, quem começa?
- A Clara Moreira casou este ano. Estamos ficando velhos,
Pedro Lucas.
- Pelo que me lembro, ela só se casou porque engravidou,
então talvez não estejamos ficando velhos, e sim ela que esteja ficando
descuidada.
Gargalhei.
- Mas desejo que seja feliz.
- E que o bebê venha com saúde! - Ele levantou a garrafa.
Não somos pessoas ruins!
- A Maria ganhou um aumento este ano, ela me contou. -
Falei.
- E o Lauro, do escritório, foi promovido. - Pedro Lucas
contou.
- Que bom pra ele. Me passa a garrafa?
- Você não acha que já bebeu demais hoje?
- Quem é você? Minha mãe? - Estendi a mão.
Pedro Lucas levantou as sobrancelhas e fez uma expressão
de reprovação, mas me passou o frizante.
Depois de cobrirmos a vida de basicamente todo mundo que conhecemos
e eu me sentir completamente estufada, passamos a falar de músicas e filmes que
marcaram o ano, até a bebida subir à cabeça do Pedro Lucas e ele tomar a
péssima decisão de se balançar naquele balanço velho.
- Não faz isso. - Alertei.
- Quem é você? Minha mãe?
“Touché.”
Pedro Lucas começou a se balançar e a gritar.
- Uhul! Estamos de
férias! Aeee!
Sorri involuntariamente, mas logo meu sorriso se
transformou em uma expressão de preocupação, quando ouvi o barulho de uma das
correntes se rompendo, e Pedro Lucas foi ao chão.
- Pedro Lucas!
Por sorte, o balanço quebrou quando ele estava no local
mais próximo do chão, então a queda não foi tão grave. Mesmo assim, fiquei
preocupada, e me joguei ao lado de seu corpo para ver como meu amigo estava.
- Ai. - Ele gemia.
- Tá doendo muito? Onde machucou?
Ele não me respondeu. Ficou em silêncio e, do nada,
começou a rir.
- Eu caí. - E ria mais ainda.
Não consegui evitar acompanhá-lo, vendo o cômico da
situação: um advogado animado, em um brinquedo de parquinho, indo ao chão.
-
Foi feio. - Falei, entre gargalhadas.
Ele parou para respirar por um momento e tocou a ponta de
meus cabelos.
- Seu cabelo ficou legal assim, mas eu prefiro normal.
- É só pra mudar um pouquinho. - Falei, alegre.
Subi meu olhar até seus olhos, que não estavam cobertos
por seu tão característico par de óculos naquele dia, pois o Pedro Lucas usa
lentes de contato em eventos especiais. Parei para prestar atenção ao castanho
esverdeado que chamava atenção em seu rosto.
“Lindo. Reluzente.”
Antes que eu me desse conta, estava abaixando meu corpo,
em direção ao seu, sincronizando a direção de nossos lábios.
Pedro Lucas arregalou os olhos.
- O que você tá fazendo, Babi?
Ele me afastou e se levantou em um súbito, toda a dor e
riso sumindo de uma só vez.
- É... eu... - Fiquei sem saber como responder. - Eu
só... fiquei a fim.
Nunca achei o Pedro Lucas bonito, talvez por sermos muito
amigos. Mas ali, sendo iluminado pelo brilho lunar, ele passou a despertar
minha atenção de uma forma como nunca antes.
Ele arregalou os olhos e então esfregou o rosto. Quanto
tirou as mãos da frente de sua expressão, vi que estava com os lábios apertados
um contra o outro.
- Calma, Pedro Lucas, não precisa de tudo isso também.
Seria só pra gente... se divertir, sei lá.
- É. - Ele colocou as mãos nos quadris, parecendo tomado
pela raiva. -Seria só isso, uma diversãozinha pra depois você chamar de erro
conduzido pela bebida.
- Peraí.
- Você tá super bêbada Babi, não quer fazer isso de
verdade.
- Ei! Eu quero sim. Posso até estar alcoolizada, mas eu
sei o que quero ou não. Eu me senti atraída por você, tem algo de errado nisso?
- Levantei-me, finalmente.
- Não é justo, só isso.
- Não é justo? - Fiquei sem entender nada.
Foi quando ele explodiu.
- Não é justo que eu tenha passado anos apaixonado por
você, desde que a gente estava na escola e, quando eu finalmente supero todos
aqueles sentimentos, anos depois, você decida se sentir interessada por mim.
- Pera... você era apaixonado por mim? Eu não sabia disso.
- Ah Babi, conta outra. Eu respondia quase todos os seus
stories falando que você era linda e que queria casar contigo e você diz que
não fazia a mínima ideia que eu queria ficar com você?
- Eu achei que estivesse sendo um bom amigo, e brincando
também. -Falei, baixinho
- Toda brincadeira tem um fundo de verdade. - Ele chutou
um pouco de areia.
- Pedro Lucas, me desculpe, de verdade, eu não sabia.
- Você não sabia? Pois eu sei de muita coisa, viu? Eu sei
que você queria ser a Barbie quando era criança, e achava que realmente tinha
chances, porque é loira, se chama Bárbara e ama usar rosa.
Não consegui evitar soltar uma risadinha, pois aquilo era
verdade.
Ele continuou:
- Eu também sei que você odeia coelhos, porque tinha um
no seu condomínio que sempre atiçava a sua cachorra e enchia seu jardim de
cocô.
Mais uma verdade.
- Outra coisa que eu sei é que você fica linda sem
maquiagem, apesar de não deixar quase ninguém te ver assim. Sei que tem medo de
altura, quer se casar no campo e ter dois filhos. Sei também que adora assistir
a jogos de vôlei mas odeia jogar, que seu filme favorito é “O Primeiro Amor”, e
você odeia que alguém confunda com “Meu Primeiro Amor”, e queria muito ter
vivido um amor de infância, pré-adolescência ou até mesmo adolescência para ter
essa história para contar, de um primeiro beijo fofo e declarações em bilhetes
e cartinhas. Eu ainda por cima sei que você se apaixonava por cada cara que
passava por você e se decepcionava cada vez mais, indo chorar as mágoas para
suas amigas e às vezes até mesmo para mim, que tive que escutar por anos a
garota por quem eu era apaixonado falando de outros desgraçados que não
cuidavam do coração dela, que parece que tem cegueira, porque nunca olhou para
o lado!
“Uau.”
Fiquei totalmente embasbacada, sem saber como responder
àquilo. Será que eu deveria pedir desculpas? Mas não tenho culpa de nunca ter
me sentido atraída por ele antes de hoje.
- E aí você bebe pra caramba e de repente me vê como uma
opção? Não tem coisa pior. Eu não quero você bêbada, com as ideias distorcidas,
Babi. Eu nem quero você mais, eu acho.
Ok, agora é ele que tem que pedir desculpas.
Ficamos alguns instantes nos encarando em silêncio, até
ele colocar a mão na parte de trás da cabeça e falar:
- Minha cabeça começou a doer. Eu acho que vou embora.
Concordei com a cabeça.
O dia seguinte foi de ressaca
pesada. Nem consegui ficar feliz pelo início das minhas férias, pois estava com
uma imensa dor de cabeça. E a ressaca moral não ajudava nem um pouco.
Não conseguia acreditar que o Pedro Lucas tinha sido
apaixonado por mim por tanto tempo.
Pensei em mandar mensagem para ele, mas não sabia se
seria uma boa ideia. Talvez devesse esperar ele mandar mensagem para mim.
Não consegui aguentar, mandei uma mensagem, perguntando
se estava tudo bem.
Só que ele não respondeu.
Nada. Em nenhum momento.
As férias passaram (e eu nem me encontrei com o Felipe,
pois ele tinha começado a namorar). O pior que tudo é que não conseguia tirar o
Pedro Lucas da cabeça. De repente, tudo nele começou a ficar mais interessante:
o cabelo castanho claro, o trabalho como advogado, o tênis de mesa que ele
jogava, as piadas sem graça que ele fazia e, principalmente, aqueles olhos, que
por tantas vezes me olharam e me enxergaram, mas eu não retribuí da mesma
forma.
Quando voltei para a On,
em janeiro, fiquei receosa. Será que o Pedro Lucas iria falar comigo? Será que
ele iria me evitar? Será que ele tinha pedido para o chefe para não atuar mais
na revista?
“Não. Ele não faria isso. Não jogaria fora uma parte do
seu trabalho em função de uma intriga pessoal.”
E eu estava certa, pois logo no início da tarde do
primeiro dia, ele apareceu.
Desta vez, não o chamei. Apenas olhei para ele enquanto
passava, mas ele desviou o olhar. Não chegou perto, não disse nada, não
demonstrou reação ao me ver.
Decidi esquecer isso, eu tinha mais o que fazer. Tinha o
trabalho para me preocupar, e existem milhões de rapazes pelo mundo, eu não
tinha por que ficar fixada em um.
O problema é que o Pedro Lucas não saía do meu
pensamento. Todo o nosso tempo de amizade. Todas aquelas vezes em que ele me
chamava de linda, sorria e se aproximava. Todas as vezes em que ele me fez rir.
Todas as vezes em que o admirei como pessoa, mas nenhuma chegava perto do
quanto eu o admirava agora.
Não aguentei mais uma vez, mandei outra mensagem, pedindo
para falar com ele.
Nos encontramos no parquinho, ao fim do expediente, ele
sentado no balanço e eu em pé.
- Acho que sei o que você quer. - Ouvi-o dizer, assim que
me aproximei.
- Sabe? - Cruzei os braços.
- Quer nossa amizade de volta, porque eu realmente fui um
babaca sumindo completamente. Me desculpa.
Balancei a cabeça.
- Não. Não é isso que eu quero.
- Não? - Ele levantou as sobrancelhas. - Então o que você
quer?
Dei um passo para mais perto dele.
- Eu quero tentar.
- Tentar? - Ele parecia confuso.
- Eu percebi o quanto você é um cara maravilhoso, e eu,
Babi Basco, quero ficar com você, Pedro Lucas.
Seu queixo caiu.
Aproximei-me mais um pouco.
- Agora não é o momento. - Ele olhou para baixo.
- Eu sei que eu estou atrasada. Mas qual é, Pedro Lucas,
vai dizer que não sobrou nem um resquício do que você sentia por mim? Meus
sentimentos também são muito iniciantes, a gente pode fazer isso crescer
juntos.
Ficamos os dois em silêncio por alguns segundos, até que
ele finalmente levantou a cabeça e falou?
- E se der errado? E se destruirmos a nossa amizade?
- Mais do que você já destruiu?
- Desculpa... mas não foi mais do que você fez com o meu
coração no passado.
Os dois soltamos um riso constrangido, e aí decidi me
aproximar o máximo possível, sentando-me em seu colo.
- Babi!
- E se der certo?
Olhamos um dentro dos olhos do outro e, com os peitos
subindo e descendo, sincronizamos nossas respirações e nos inclinamos um em
direção ao outro para um beijo que eu só posso definir como incrível.
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