Quando
entrei na faculdade de jornalismo, já sabia que ia querer trabalhar com arte e
entretenimento, pois eu amo.
Muito
prazer, eu sou Bárbara, ou melhor, Babi. Babi Basco (é assim que assino minhas
matérias).
Trabalho
em uma revista virtual de entretenimento e, entre fofocas e tendências de moda
e comportamento, eu fico com a parte que poderia ser chamada de mais
intelectual (mas só chamo assim porque é como o Giovani chamou).
Fui
cobrir uma mostra de arte contemporânea no maior museu da cidade (eba!). Uma
manhã inteirinha tomando notas sobre quadros, tirando algumas fotos (que serão
editadas depois, não por mim, mas por uma das fotógrafas da revista) e
admirando e absorvendo arte.
EU.
AMO. ARTE.
Não
querendo parecer culta nem nada, eu só gosto mesmo. Gosto do jeito como sinto
que é capaz de me tocar, reverberar em mim. É legal saber qual era a intenção
do artista ao criar aquela peça, mas é mais legal ainda sentir como aquilo
impacta em você.
Estava
tomando notas sobre um quadro enorme representando um corpo feminino (com a
tinta colorida escorrendo por toda parte, levemente abstrato... lindo!) quando
joguei meus cabelos todos para um lado.
- Ai!
É o seguinte: meus cabelos são ondulados e volumosos (e
também loiro-acinzentados, mas isso não vem ao caso), bastante volumosos, eu
disse BASTANTE.
Então, sim, eu acabei atingindo uma pessoa com eles (e
não foi a primeira vez. Já tive um incidente que quase resultou em briga na
escola, um pesadelo).
- Meu Deus, me desculpe! Eu falo pra mim mesma que tenho
que tomar cuidado com meus cabelos, mas sempre esqueço e acabo ferindo os
outros.
Eu estava guardando o bloco de notas e a caneta na bolsa
estilo carteiro quando olhei para o lado e vi um rapaz de óculos com armação
transparente e cabelos levemente ondulados (não tanto quanto os meus) e
castanho-alaranjados cobrindo sua testa, além de uma barba cheia, mas não
comprida, só o suficiente para dar um charme especial, o qual esfregava o olho
direito, recém atingido por mim.
- Não faz mal.
Ele terminou de esfregar o olho, que felizmente ficou só
um pouco vermelho e apontou para o quadro à minha frente.
- Que técnica, não é mesmo?
- Sim! As cores combinaram tão perfeitamente.
Foi aí que me encantei.
Descobri que ele tinha 21 anos
(eu tinha 24) e estudava Medicina. Além disso falava quatro línguas, era
entusiasta de Goethe e adorava passar as terças-feiras pela manhã (nas quais,
naquele semestre, estava sem aula) indo a museus e mostras de arte.
- Sinto que me deixa um pouco mais conectado com o mundo.
Tenho que sair um pouco da Biologia senão enlouqueço.
- Eu até poderia concordar, mas meu trabalho é isto aqui.
- Respondi.
- Ah, por isso o bloco de notas.
Sorri em resposta.
Expliquei
ao rapaz mais novo que eu sobre o meu trabalho e a revista em que trabalho, a
qual se chama “On”.
- Um
nome bem... objetivo.
- É
sobre estar atualizado sobre tudo no mundo do entretenimento, além de, claro,
ser fácil de lembrar. Falamos sobre celebridades, moda, séries, conteúdo
digital, trends...
- E o
que mais vale a pena de se ler neste material: arte.
-
Terei de concordar. - Sorri involuntariamente.
-
Assinado por...
- Babi
Basco. - Estendi a mão com uma luva cor-de-rosa que alcança até a metade dos
dedos para cumprimentá-lo.
-
Giovani Chagas.
- Por
acaso o doutor Chagas gostaria de tomar um café assim que eu terminar as
anotações que preciso fazer?
-
Seria um prazer.
Meu
chefe não precisa ficar sabendo.
Giovani tomou um expresso e eu
um machiato. Trocamos telefones e, depois dele me contar sobre um
interessante artigo que tinha lido, sobre não termos realmente livre arbítrio e
todas as nossas decisões já estarem estampadas em nosso material genético, o
que foi concluído a partir de análise de DNA, nos despedimos e voltei ao
trabalho.
Cheguei na redação ao final do horário de almoço, com
todo mundo ainda em ócio (que pode ou não ser produtivo, depende da
interpretação). Larguei minha bolsa em cima da minha mesa e liguei o
computador, quando vi o Pedro Lucas entrando.
Pedro Lucas é o meu melhor amigo desde o último ano da
escola, quando acabamos caindo na mesma sala. Ele se formou em Direito no ano
passado e, coincidentemente, faz parte da equipe de advogados da revista (ok,
talvez eu tenha conseguido que meu chefe e o dele conversassem, mas acabou
sendo um ótimo arranjo para todo mundo).
- Pedro. - Chamei. - Vem cá.
Meu melhor amigo ajeitou a gravata e veio correndo ao meu
encontro.
Tenho tanto dó do Pedro Lucas e desse pessoal que tem que
trabalhar de terno. Eu uso conjuntos de moletinho nos quais a parte de cima é
um cropped e a de baixo é de cintura alta cobertos por um jaquetão em
dias de frio. Sempre confortável, sem deixar de ficar linda.
- Rapidinho, nós temos reunião. - Ele respondeu,
ajeitando os óculos no nariz do jeito que sempre faz.
Respirei fundo e abri um sorrisão.
- Eu estou apaixonada!
Fiquei esperando a reação dele, mas nada veio.
- E aí?
- Ah, legal, Babi. Era só isso?
- Nossa, será que dava para ser mais grosseiro? Eu te
apoiei super quando você se apaixonou pela nojenta da Gabi.
- Ok, mas eu me apaixonei pela Gabi depois de dois anos
solteiro. Você se apaixona por um cara por semana.
- Como você tem coragem de dizer isso?
Ele levantou as sobrancelhas e percebi que se segurou
para não revirar os olhos castanho-claros esverdeados.
- Não, eu tenho leves crushes por seres do sexo oposto a
cada semana, não significa que fique apaixonada.
- Tá bom, Babi, tá bom. Quem é?
- O nome dele é Giovani e ele está estudando para ser
médico. Já pensou: eu, namorada de médico?
- E onde você conheceu um futuro médico?
- Hoje, no museu. - Falei, animada.
- Ah entendi, você conheceu o cara hoje e já está achando
que vai ser namorada dele.
- E qual é o problema? - Cruzei os braços.
Pedro Lucas mordeu o lábio inferior, olhou para seu
chefe, que estava entrando na sala de reuniões, e simplesmente se retirou.
“Insensível.”
Assim que voltei a trabalhar,
escrevi um dos meus melhores artigos dos últimos anos (e nem fui eu quem disse
isso, foi a redatora-chefe).
- Muito bem, Babi! Acho que você ficou realmente
inspirada pela exposição.
- Ah, com certeza.
Meu cabelo começou a me incomodar, então prendi-o em um
coque no topo da cabeça, e foi aí que comecei a matutar sobre se deveria ou não
mandar mensagem para o Giovani.
“Ele estuda Medicina, é muito ocupado.”
“Mas é só ver depois.”
“Vou parecer muito desesperada.”
“Ou apenas atenciosa.”
No fim das contas eu mandei. Apenas um oi, dizendo eu
tinha gostado muito do nosso café. Nada demais, sabe? Eu acho, pelo menos.
Para minha surpresa, ele respondeu menos de uma hora
depois e acabamos trocando várias mensagens (aparentemente ele gosta muito de
conversar, e de falar também, pela quantidade de áudios que me mandou).
Marcamos de nos ver novamente no final de semana, em um
parque.
Fizemos um piquenique e ele acabou soltando que seus pais
estavam fora da cidade e a casa estava vazia, então eu poderia acompanhá-lo na
degustação de um vinho se quisesse.
EU QUERIA MUITO.
Infelizmente não tinha pensado que isso aconteceria,
então não estava com roupas íntimas combinando entre si, mas tudo bem, não iria
deixar isso acabar com a minha noite.
Os beijos foram um pouco babados demais, mas ele era bem
dedicado, além de adorar contato físico, o que fez com que dormíssemos e
acordássemos juntinhos.
- O seu corpo dá leves espasmos enquanto você dorme,
sabia? - Foi a frase eu ouvi logo após o meu despertar no dia seguinte, seguida
de uma xícara de café. - É fofinho.
E assim fui encontrando Giovani sempre que podia. Ele me
acompanhava em eventuais eventos que eu fosse nas terças-feiras pela manhã e
depois nos encontrávamos nos finais de semana para sessões de muita troca de
saliva e de conversas bastante íntimas.
Giovani gostava de analisar as pessoas, e eu o
incentivava a dividir tudo o que percebesse comigo. Sobre os comportamentos
alheios e sobre o meu também. Eu adorava ouvi-lo falar sobre o que eu provocava
nele.
- Você me faz querer ser mais sincero.
Isso
foi uma coisa que gostei e ao mesmo tempo não gostei de ouvir, pois sinceridade
é a base de qualquer relacionamento, mas junto com ela vinha uma certa frieza.
Era do perfil do Giovani ser calculista, mesmo que me permitisse conhecer sua
intimidade e me contasse coisas que nunca tinha dito a mais ninguém.
Um dia começamos a falar sobre namoro e casamento e foi
quando ele soltou que sua esposa ideal teria que compreender a falta de tempo
que sua profissão exigiria, mas ao mesmo tempo ser muito carinhosa, pois ele
carecia de toque físico.
- De preferência deve ser uma médica também.
Me senti um pouco ofendida.
- E por que não uma jornalista?
Ele olhou em meus olhos e pressionou os lábios um contra
o outro.
- Babi, não me leve a mal, eu adoro a sua amizade.
Inclusive, quero levá-la para a vida, você é incrível! Você é inteligente,
deixa meu lado intelectual aflorar, coisa que também espero da minha futura
esposa, além de ser linda. Meu Deus, como você é linda e gostosa!
- Obrigada pelos elogios. Mas então, por que não posso
ser sua esposa. Ou melhor, namorada?
- Babi, você é linda. - Grata. - Mas a verdade é que eu
não ligo muito para a aparência. - Respeito. - Eu amo as nossas conversas, mas
temos algumas diferenças de maturidade emocional. - EI! - Por exemplo, você
nunca namorou. - Verdade. - Eu já tive alguns relacionamentos sólidos. O último
eu até achei que fosse ser o definitivo! Eu adoro a sua personalidade. - Grata
novamente. - Mas ela não combina tanto assim com a minha, você apenas é imatura
demais. - Eu sou mais velha que você!
Mas idade não define maturidade...
Me doeu entender o que estávamos fazendo, pois aquela
troca, para mim, era claramente romântica. Ele me enchia de mensagens e insights
sobre o mundo e si mesmo todos os dias, ele me enchia de beijos ao final de
semana, ele me enchia de esperanças...
Mas a verdade é que isso não era nada além de uma amizade
para o Giovani. Ele me contou que tinha essa intimidade com outras pessoas
também, e adorava ter amigos assim, com quem poderia simplesmente se abrir do
mais absoluto nada sobre qualquer assunto.
Estranhamente, não senti raiva. É verdade que fiquei com
o ego ferido, mas só senti cumplicidade por ele. Apesar de tudo, das falsas
esperanças e da experiência estranha para mim, eu só consegui desejar que ele
fosse o profissional de maior sucesso possível, aprendesse mais um idioma
(coisa que era de seu desejo) e encontrasse a esposa que fosse tudo o que ele
precisasse.
Somos amigos até hoje, trocando mensagens (às vezes
picantes, não nego), sem beijos, porque o beijo dele nem era tão bom assim, e
visões de mundo.
Quem
é a imatura agora?
Brincadeirinha.
Adorei o que ele aflorou em mim também, uma
autocompreensão maior, e também manejo de expectativas.
Cheguei à conclusão de que o Pedro Lucas estava certo.
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