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Os Três Rapazes - Parte 9


 CAIO

 

         Quando cheguei em casa, ela estava vazia.Meus pais e irmãos tinham saído. Não se se todos juntos. Francamente, não em importava tanto assim.

         Tirei o casaco que estava usando e caí na cama, subitamente me sentindo exausto. Aquele dia tinha sido estranho. Horrível e estranho. Minha gata subiu na cama junto comigo, jogando seus pelos brancos para perto do meu rosto.

          – Oi Babi. – Falei.

         Ela esfregou o rosto na minha mão e ronronou. Babi é uma gata extremamente mansa, eu falava para a Cecília, e ela dizia que queria conhecê-la algum dia.

         Depois de uma sessão de carinho na minha felina, peguei o meu celular para ver se tinha alguma mensagem de meus pais. Nada. Tudo bem. Entrei em uma rede social, mas fechei logo em seguida, movendo meu dedo para a galeria de fotos.

         É óbvio quais fotos eu vou olhar, certo? Fotos que tirei da Cecília, de diferentes ângulos, na faculdade, entre conversas e silêncios dolorosos, que apenas mais tarde eu percebi por que a caracterizavam tanto.

         Parei em uma foto específica, esta em questão ela não tinha me pedido para tirar, mas o fiz sem que ela percebesse. Estava quase de costas para mim, só o contorno do nariz levemente arrebitado aparecendo, olhando para a grama em sua frente. Parecia calma, e estava linda.

         Rolei para a foto ao lado, quando ela percebeu que estava sendo fotografada, afastou os cabelos do rosto e sorriu. Eu não canso de dizer o quão lindo era aquele sorriso. Transmitia toda a paz que ela provavelmente não tinha, ou o pouco que lhe restava

         Eu me apaixonei por aquele sorriso, perdidamente, e só agora tinha coragem de admitir.

         O curioso é que a Cecília se fora, mas a minha paixão não. Estava ali, misturada ao luto, à tristeza e à inconformidade, sem fazer menção de ir embora, mesmo que agora fosse totalmente impossível de ser correspondida.

         Rolei o dedo pela galeria, encontrando outra foto, de Cecília entre a grama alta, de verde, confundindo-se com a natureza.

         “Ela era mesmo uma maravilha da natureza. Uma Iracema com os cabelos negros como a asa da graúna e lábios de mel, além de um fim tão triste quanto.

         Conformidade faz parte da minha personalidade, mas meu coração não se conformava que o objeto de seu afeto não estivesse mais ali.

         “Não, apenas não pode ser.”

         Em pouco tempo, me vi em posição fetal, chorando como louco, fungando e soluçando. Babi se aproximou, então agarrei-a, com cuidado para não a machucar, mas ainda com força, para não a deixar ir e ficar completamente sozinho, que era como eu me sentia.

         Iria à faculdade na segunda-feira e estaria sozinho. Sozinho!

         “Sem a minha melhor amiga. Sem a minha paixão.”

         Adormeci.

         – Filho? – Era minha mãe

         Rolei na cama, com dificuldade para distinguir a imagem a minha frente, quando o rosto angelical de minha mãe ficou nítido.

         – Caio. – Ela passou a mão pelo meu ombro. – Vá tomar um banho, filho.

         Obedeci, me mexendo devagar, pois estava com muita dor, graças à posição contorcida na qual tinha adormecido.

          Tomei uma ducha demorada, deixando que a água lavasse a mágoa que também estava presente entre meus sentimentos ruins. Não era justo. Ela fez com que eu me apaixonasse por ela, e depois foi embora.

          Mas ela nunca quis que eu me apaixonasse, eu sei disso. Tanto que, quando tive coragem de beijá-la, ela se afastou.

          Não foi suficiente para o meu coração, mas não era culpa dela.

         Saí do chuveiro morrendo de fome, e com sorte, pois minha mãe estava na porta do meu quarto com um prato contendo um sanduíche.

         – Obrigado, mamãe. – Falei, pegando o prato que estava estendido para mim.

         Ela assentiu com a cabeça e me deu um beijo no rosto. Essa é a minha mãe: de poucas palavras, mas calorosa nos gestos. Ela não perguntaria como tinha sido o dia (era óbvio que tinha sido horrível), mas deixaria claro que estava ali, disponível, caso eu sentisse a necessidade de desabafar.

         Comi, voltando a pensar nos dois rapazes com quem eu tinha conversado no fim daquela tarde: eles fizeram parte da vida da Cecília, eu também; eles amaram a Cecília, cada um à sua forma, assim como eu; eles tiveram seus momentos finais com ela, eu não.

         Eu não tive uma conclusão, uma ruptura. Para mim, foi quase um desaparecimento. Eu nunca cheguei a tê-la, apenas a perdê-la. Não parecia justo, mas que parte de tudo aquilo era justa?

          Olhei mais algumas fotos da Cecília (não consegui evitar), guardei o celular e me deitei, desta vez pronto para dormir em uma posição confortável. Babi não estava mais no meu quarto, então eu estava oficialmente sozinho.

         Fisicamente sozinho, pois o meu coração se negava a abandonar sua admiração por Cecília, até mesmo naquele momento. Mesmo depois do funeral, de todo o choro e mágoa, ele ainda conservava sua paixão.

         Ela tinha sido algo incrível na minha vida, e nada seria capaz de tirar isso de mim, nem mesmo ela dando fim à própria vida. Com isso, a própria Cecília teria de se conformar.

         Pode ter sido um final horrível, mas o decorrer foi doce e gentil (comigo). Queria muito poder tê-la feito sentir tão bem quanto ela me fazia. Será que em algum momento consegui? Será que, pelos poucos minutos que fosse, eu consegui aliviar um pouco de sua dor?

         Mais perguntas para as quais eu nunca teria respostas, então não tinha por que ficar matutando sobre.

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