Meu site de cara nova!

Os Três Rapazes - Parte 7


 FÉLIX

 

         Cheguei em casa.

         Depois de chamar o mané de ‘idiota’, fui eu que me senti idiota.

         Tirei meus coturnos, percebendo o que havia acontecido.

         Eu tinha chorado. Chorado pela Cecilass. Não chorei por mim sem ela, pois sabia que a nossa história já havia chegado ao fim. Chorei porque o mundo não teria mais a chance de senti-la.

         A mãe saudável demais não iria mais beijá-la antes de dormir; o pai bem-sucedido demais não iria mais abraçá-la; o irmão bonito demais não iria mais fazê-la rir; e a irmã certinha demais não iria mais dançar com ela. Aquela família, os Lass, estaria para sempre incompleta.

         Não acredito que chorei pelos Lass. Não acredito que chorei por aquela menina que só me usava como fuga.

         Decidi dar uma olhada nas nossas conversas, que eu nunca me dera ao trabalho de apagar.

         Ao fim, ela só sabia me chamar de babaca e me mandar para o inferno, e eu só sabia dizer que ela fazia tempestade em copo d’água.

         Mas eu sabia por que ela me chamava de babaca: porque brinquei com seus sentimentos. Porque acordava um dia me sentindo o cara mais sortudo do mundo por ter aquela gata em minha vida, consequentemente enchendo-a de elogios e beijos, enquanto me ajoelhava aos seus pés, e no outro me lembrava de onde ela vinha, sentindo desprezo e aversão, destinando a ela as palavras mais degradantes e ofensivas, pedindo a ela que se colocasse em seu local de escória nojenta.

         “Por que eu fiz isso? Ela não merecia isso.”

         E eu sabia que ela tinha depressão.

         “Mas tanta gente tem. É o mal do século.”

         Percebi, tarde demais, que posso ter inflamado sentimentos ruins e corrosivos que ela tinha dentro de si.

         Foi neste momento que uma culpa avassaladora tomou conta de mim.

         “Fala sério, Félix!”

         Cheguei a estapear o meu próprio rosto. Uma menina estava morta, morta! 

         Uma menina dona de um sorriso lindo e leve fora enterrada me achando um babaca, e eu fiz por merecer.

          Nenhuma desculpa a traria de volta. 

         Culpa.

         Dor.

         Culpa.

         Remorso.

         Culpa.

         Tristeza.

         Culpa.

         Mas não fora culpa minha, certo? Foi ela quem decidiu fazer cortes que chegariam à sua alma. Eu não a entreguei lâmina nenhuma.

         Rolei as conversas mais para cima, em momentos mais felizes, nos quais eu não cansava de dizer a ela o quão gata ela era, e o quanto eu gostava de sentir a sua respiração em meu peito.

          Passei por dirty talks, leves discussões, marcações de encontros, e elogios. Passei por todo o relacionamento que tive com aquela menina.

          Passei pela persona que ela criara para interagir comigo. Passei pela Cecilass que marcou a minha vida.

          Deixei o celular na cômoda e fui tomar um banho, para tirar de mim todo aquele ar de cemitério.

         Não queria mais pensar naquilo.

         “Chega.”

         Já acabou.

         “Para ela, para sempre.”

         Enquanto me ensaboava, sua imagem não saía da minha cabeça, e eu gostava disso. Era uma imagem tão bonita.

         Talvez fosse por isso que eu não tivesse tido coragem de descer, de ver o caixão. Não queria substituir a imagem dela que tinha em minha cabeça. 

         Não queria o baque surdo e doloroso que seria o de ver seu rosto inexpressivo. Simplesmente não queria.

         Aquilo destruiria todos os momentos bons e simples que aquela garota me proporcionou.

         Como eu fui rude. Egoísta, desnecessário, julgador! 

         Como se faz para ser perdoado por alguém que morreu?

         Ela não tivera a coragem nem mesmo de perdoar a si mesma, como seria capaz de perdoar a mim?

         Saindo do chuveiro, com a toalha enrolada na cintura, olhei para a janela e vi apenas escuridão.

         Seria isso que Cecilass sentia? Em seus últimos momentos, teria isso a dominado?

         Foi quando meu corpo fraquejou.

         Eu achei que já tinha fraquejado o suficiente ao abraçar os dois rapazes e chorar junto com eles, mas a verdade é que eu ainda precisava de um sofrimento só meu.

          Eu posso ter feito o que quer que seja. Posso ter sido o que quer que fui, mas ainda tenho direito ao meu próprio luto.

         As pernas bambearam, a toalha caiu. Eu caí na cama.

         Chorei.

         Chorei e chorei mais um pouco.

         Chorei pela família dela; chorei por ela; chorei por mim.

         Eu.

         Que nunca terei a oportunidade de consertar as coisas.

         Eu, que a perdi duas vezes. Uma por burrice, outra para a dor.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário