CAIO
Entrei na faculdade logo que saí da escola. Ótimo. Foi lá que conheci a Cecília.
Sempre achei esse negócio de trotes, semana de calouros e etc. meio desnecessário, mas acabou sendo divertido. Nos sujamos um pouco, penduraram umas plaquinhas, fizemos umas gincanas e bebemos um pouco no bar perto da faculdade. A Cecília começou sem se envolver muito, parecia cansada e desanimada, mas, no segundo dia, praticamente tomou a frente e levou todos consigo.
Ela era linda, de corpo, rosto e personalidade. Aquele sorriso... ah aquele sorriso e tudo o que conseguia transmitir.
Não demorou muito para ela se aproximar de mim, com aqueles olhos levemente enigmáticos e fala animada. Ela me mostrou várias coisas na faculdade e conversávamos quando nos encontrávamos no campus. Nos tornamos verdadeiros amigos.
Seria mentira se eu dissesse que não me interessei por ela desde o começo, mas percebi que um amigo era o que ela realmente precisava, então foi isso que fui. Ficávamos do lado de fora, sentados na grama, comendo ou bebendo alguma coisa e conversando sobre os professores, as salas, o cheiro que dias um pouco frios mas ensolarados pareciam ter (eram o tipo favorito dela), e qualquer outra coisa que aparecesse em nossas cabeças.
O tempo;
Crescer;
Ser um ser social;
Primeiros encontros;
Blusas de lã fina com as mangas largas (que eram o estilo favorito dela no momento);
O que imagens eram capazes de transmitir;
Suricatos.
Só sei que eu amava conversar com ela, e acho que ela tinha um forte sentimento sobre nossas conversas também. Apesar disso, não era raro era simplesmente se distanciar. Do nada, um corte poderia aparecer em sua fala e ela deixava de ser alegre, me distanciando como num baque.
Sempre respeitei essas decisões, imaginando que ela teria um motivo para deixar de falar com animação repentinamente, e ela realmente tinha: golpes dilaceravam seu coração e sua mente silenciosamente, sem que qualquer pessoa ao redor pudesse perceber.
Eu geralmente fazia carinho em seus ombros e finalizávamos por aí. Ela gostava daquilo, me disse.
Outra coisa que gostávamos era de andar pelo campus e tirar fotos em ângulos diversos. Ela adorava fazer poses e ser fotografada, e eu adorava fotografá-la. A Cecília pedia para que eu lhe enviasse as fotos e, enquanto enxia a memória do meu celular, que tinha uma câmera melhor que o seu, dizia: ‘depois você apaga’. Nunca apaguei. Às vezes ficava olhando as fotos quando chegava em casa, e me pagava sorrindo.
Ficamos nessa rotina por aproximadamente dois meses, conversando, caminhando e fotografando, até uma sexta-feira, em que um de seus silêncios abruptos finalizou a conversa, e não acariciei seu ombro, mas seu rosto. Foi impossível me segurar, e a beijei. Eu já sabia que queria beijá-la havia muito tempo, mas nunca tinha levado essa ideia à sério, pois acreditava que minha atração era estritamente platônica, já que eu cabia tão bem no papel de amigo.
Mas ela retribuiu o beijo, e foi assim que tive certeza de que me apaixonei. Nunca perguntei (nem a mim mesmo) se ela também estava apaixonada ou só queria curtir um beijo, não tinha por quê. Andamos até nossas salas de mãos dadas naquele dia, e depois não falamos mais disso, porque ela sumiu.
Não respondia mais às minhas mensagens, não apareceu na faculdade na segunda-feira, nem na terça-feira, nem na quarta-feira, na quinta-feira ou na outra sexta-feira (apesar de eu poder jurar que a vi na frente do portão, do outro lado da rua, seguindo para a direita, em dois desses dias.
Na semana seguinte, veio a notícia. Remédios, muitos deles. Dormiu e não acordou mais. De novo, não fiquei refletindo sobre isso e muito menos sobre o que nosso contato poderia ou não ter significado no cenário, só iria me deixar completamente louco.
Chorei, mas menos do que deveria. Senti sua falta, talvez até mais do que deveria. Olhei várias vezes todas as suas fotos que tinha em meu celular, admirando sua beleza e a alegria que era capaz de transmitir em algumas imagens. Seria falsa? Conversamos uma vez sobre isso.
“Uma imagem pode transmitir uma mentira... ou talvez seja simplesmente aquilo que você quer ver.”
Muita coisa fez sentido depois daquela notícia horrível, mas eu não estava buscando sentido. Novamente, não tinha por quê.
No enterro, vi várias pessoas da faculdade, mas todos meus veteranos, pois eu era o único da minha turma que era amigo da Cecília. Não conversei com ninguém, nem mesmo com a família. Acho que eles já tinham ouvido discursos prontos de pêsames demais, não precisariam de mais um, de um garoto que provavelmente nem sabiam quem era.
Ouvindo fungadas e algumas palavras de quem se dispusera a discursar, percebi que não tinha mais necessidade de estar ali. Aqueles ombros que tantas vezes acariciei estavam fechados em um caixão lacrado, de madeira escura e maciça, então comecei a me afastar das pessoas e me encaminhar para longe.
Foi nesse momento que vi, no topo de um morro, dois rapazes: um sentado, que eu não conhecia, e outro de pé.
“Félix.”
Reconheci o colega de turma da Cecília, com quem ela tinha tido um envolvimento no ano anterior. Não entendi por que ele estava tão longe de tudo e, num súbito, resolvi ir até ele perguntar.
Não costumo ir atrás de motivos, deixando as coisas serem como são, seguindo seu rumo e cada um cuidando de sua própria vida, mas aquele era um dia atípico.
Subi, com uma certa dificuldade, até onde os dois rapazes estavam. Félix estava com um cigarro aceso na boca e o outro, sentado, tinha o rosto tão inchado que chegava a dar pena. Cumprimentei os dois e encarei o fumante.
– Por que você não desceu lá com todo mundo?
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