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Os Três Rapazes - parte 2


 LUIZ EDUARDO

 

         Eu simplesmente não consegui aguentar mais.Precisei sair de perto, pois a atmosfera estava muito pesada. É claro que ainda conseguia ver de longe a dona Mariana, o seu Luiz (meu xará, era assim que ele me chamava), a Jéssica e o Túlio chorando desesperados. Eu gostava deles e eles gostavam de mim também.

         Conheci a Cecília na escola, em uma época que eu ainda era o patinho feio da turma; aí no terceiro ano do ensino médio dei uma encorpada, aprendi a arrumar o cabelo e ela finalmente aceitou sair comigo. Depois disso namoramos por um pouco mais de um ano: até nos formarmos na escola e no começo da faculdade. Eu faço Administração e ela fazia Relações Públicas, o que combinava com ela, que sempre foi bastante comunicativa.

         Lembro de todos os nossos momentos juntos com carinho: a aprovação no vestibular, a formatura, a primeira vez, começar a faculdade, fazer dezoito anos, aprender a dirigir, tudo isso com ela do meu lado. Éramos aquele casal que não se desgrudava, ela sempre me enchendo de beijos (o que nunca me cansava) e eu sempre enlaçando ela pela cintura, trazendo para mais perto. Víamos muitos filmes, dançávamos (ela me pedia e eu não tinha como dizer não), cozinhávamos e nos amávamos, tanto quanto duas pessoas no fim da adolescência são capazes.

         Eu me dava super bem com meus sogros e cunhados, até saía jogar bola com o Túlio de vez em quando, mas a Cecília era a minha estrela, era a minha vontade de criar uma rotina e ter ela sempre comigo, à tiracolo. Eu amava ver como ela dançava, o ritmo que fosse, os comentários que fazia enquanto assistíamos algum filme ou série, os experimentos que ela fazia questão de fazer na cozinha (um ou outro tempero a mais aqui, e se colocássemos uma fruta por cima da carne?), parecia me dar energia. Até que não deu mais.         

         Foi ela que terminou comigo. Foram tantas e tantas as vezes que perguntei o que tinha de errado, mas ela simplesmente não falava mais comigo. A minha metadinha, que vivia me contando tudo, simplesmente começou a soltar a minha mão, até que largou de vez e construiu um muro entre a gente. Fiquei sem reação quando ela pediu para terminar, nem parecia a mesma pessoa. Eu não sabia que ela estava doente; ninguém sabia.

         Cumprimentei alguns amigos e conhecidos da escola no enterro, e também a família. Não sabia se deveria ou não ficar perto deles, porque eu não frequentava mais a casa da dona Mariana havia quase um ano. Sinto imenso carinho por todos, mas não queria invadir um espaço que não era mais meu.

         “Eu queria tanto que ainda fosse meu.”

         Eu sei que a Cecília foi só a minha primeira namorada, e que é coisa de adolescente dizer que encontrou tão facilmente o amor da vida (mas não foi fácil convencer ela a ficar comigo), mas eu realmente me imaginava casando com a Ceci algum dia. Viajando juntos, conhecendo lugares diferentes, provando comidas diferentes, fazendo amor em camas diferentes, quem sabe adotando um cachorro. Do nada o meu projeto foi interrompido, e pela própria protagonista dele.

         Fiquei devastado quando ela tomou a decisão, tentei convencer ela a voltar comigo, conversamos e... nada. Ela realmente era cabeça dura.

         Lembro que ela falou, quando deixou bem claro que não teria volta, que não queria me arrastar com ela. Na época não entendi o que isso significava, mas agora sei bem o que ela queria dizer. O ruim é que, se eu pudesse, puxaria ela para cima de volta, ou pelo menos tentaria.

         Vendo o caixão já fechado e todos ao redor chorando, aquilo pareceu real demais.

         “A Ceci se foi. Ela realmente se foi.”

          Nunca mais eu provaria daquela boca que tanto amei, nunca mais eu enlaçaria aquela cintura, nunca mais eu riria de seus comentários levemente infantis porém muito espertos. Por isso tive que sair de perto.

         Vi um cara usando coturnos e uma camisa xadrez aberta no topo de um morro ali perto de onde ela estava sendo enterrada e pensei em me juntar a ele. Ele olhava para a reunião de pessoas de maneira interessada. Será que tinha conhecido a Ceci? Será que era só um curioso? Do nada, senti muita vontade de descobrir, mas quando cheguei lá, foi como se meu corpo finalmente tivesse decidido ter uma reação, respondendo ao cansaço emocional que a situação me causou. Me sentei.

         Passei a mão no gramado levemente úmido e arranquei algumas folhinhas de grama. A Ceci diria para eu não arrancar, mas ela não estava ali, não é?

         O cara me olhou, desconfortável, claramente nem um pouco feliz por eu ter invadido seu território.

        – Oi. – Falei, estendendo a mão.

         Ele pensou por um tempo, mas então decidiu apertar minha mão e falar algo também.

         – Félix.

         – Luiz. – Respondi.

         Ficamos um tempo em silêncio, os dois parecendo que tinham esquecido o propósito de estarem ali, mas aí ele me perguntou:

         – Você conhecia ela?

         Senti um sorriso leve se formar em minha boca

         – Demais.    

         “Ou pelo menos o tanto que consegui.”

         Não deixei que minha cabeça voasse para se perder em lembranças e retribuí a pergunta:

          – E você?

          – Mais ou menos. – Ele deu de ombros e puxou um maço de cigarros do bolso. Acendeu um e começou a fumar. Virei a cabeça para o lado oposto, pois não gosto do cheiro de cigarro.

         “A Ceci também não gostava.”

         – Por isso está aqui? Longe de todo mundo?

         Ele confirmou com a cabeça.

         Ficamos mais um pouco em silêncio, mas a minha cabeça estava a mil. Eu não fazia ideia de quem era aquele cara. Quem ele tinha sido na vida da Ceci? Que importância tinha tido? De que maneira conheceu ela? Por que estava tão longe assim? Não poderia simplesmente ficar mais afastado, mas lá embaixo?

         Quando eu estava prestes a abrir a boca, apareceu um outro cara, um menino na verdade (ele devia ter uns dezessete anos), de óculos de armação redonda e a cabeça bem cheia de cabelos. Não tive tempo nem de fazer perguntas sobre quem seria aquele menino antes dele me cumprimentar com a cabeça e acenar para o moreno de coturnos.

         – Oi, Félix.

         – Oi, Caio.

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